Portal Brasileiro de Cinema  Sylvio Renoldi

Sylvio Renoldi

Entrevistado por Eugenio Puppo, Vera Haddad e Raimo Benedetti

O início

Eu comecei na Maristela, eu era o vizinho da Maristela... (...) o Luigi Picchi, pintava as grades – porque puseram uma grade entre o meu terreno e a Maristela – e a gente ficava batendo papo, eu tinha dez anos. (...) então eu vivia lá, ficava do lado da moviola, sentado, olhando. Eles naquela discussão besta por causa de colocar um close, saíam brigas às vezes de um jogar telefone no outro, e eu pensava comigo: "pô, porque não põe essa droga e se ficar ruim tira?"... eu fui assistindo aquilo lá durante anos. Nessa época, o Galileu Garcia foi fazer um filme na Maristela que era Cara de fogo, e ao mesmo tempo o Roberto Santos estava fazendo O grande momento (...).

O Luisinho era assistente de um e eu era do outro; a gente ficava trocando de filme, eu fazia um e ele o outro; colocando em ordem na moviola e tal. Eram dois filmes e tinham duas moviolas, eu ia me meter na outra e ficava cortando... às vezes mudava alguma coisa. Foi um aprendizado muito grande.

Naquela época todos os técnicos eram estrangeiros (...) Eu enchia os caras porque queria sentar na moviola (...) "já que você quer encher mesmo, senta na moviola e monta os ruídos desse filme". Aí ficava lá, montando. Tinham todos os ruídos, um caminhão velho que dava ré mas eles não tinham a ré gravada. Como era ótico, virei o filme ao contrário e coloquei lá, e ficou ré, entendeu? E não falei nada pra ninguém. Quando eles foram mixar o filme e me perguntaram, eu disse que pus o som de trás pra diante. Os caras disseram: "que bom" (...) Eles tinham aquela técnica do cinema europeu, pista pra diálogo, pista pra música, pista pra ruído...... mas os filmes marginais emendavam tudo de tudo que era jeito, (...) quando tinha música não tinha ruído, quando tinha diálogo não tinha música... essa coisa de fazer quatro ou cinco pistas eu aprendi, aprendi muito bem.

...Quando eu fiz o Grande desconhecido o cara me mostrou que você podia montar um cara na África falando pra outro no Brasil, que não tinha nenhum problema porque você está fazendo CINEMA, você não tá fazendo a realidade entendeu?

Conflito entre montador e diretor

(...) Jamais cheguei pra um diretor e propus: "Vamos trocar isso e colocar aquilo". Nunca! Eu montei o primeiro filme de quase todos os diretores de São Paulo, e não briguei com nenhum, pelo seguinte: você não pode jamais chegar e dizer "O seu filme tem esse defeito, tem isso, tem aquilo...", porque todo mundo que vai dirigir um filme está fazendo o melhor filme do mundo...Se você já chega falando para o diretor que está errado isso ou aquilo, ele se indispõe; então o que você faz? Vai mudando devagar, um planinho pra lá, um planinho pra cá. "Que você acha, hein?"

Eu penso que a montagem não tem limite. Eu acho que o único dever é saber o que é melhor para o filme, não o que é melhor pra você. Um diretor quando vai fazer um filme quer fazer tudo. Pô! tudo num filme só não dá. Às vezes atrapalha, entende?.. Eu sempre achei que os filmes mais pobres, mais mal filmados, são a melhor chance pro montador.

Montagem eletrônica

(...) Antes da montagem eletrônica era muito mais forte a presença do montador. Antigamente não se fazia dois copiões; antes você tinha que procurar os rolinhos. Agora, com a montagem eletrônica, você monta dez filmes e vê qual é melhor (...). Hoje em dia, você arruma um pedacinho da voz e depois outro trechinho; e quando você vai ver o filme, ele tá frio, lixo. ...Agora, quando você vê o rolo, diz "Pô, não era nada disso". Mexer isso, mudar aquilo é justamente o que os caras não querem fazer. "Ah, tá muito bom..." Tá muito bom o caramba! Tem que sentir se o filme tá funcionando ou não tá funcionando.

Para um montador iniciante

Em primeiro lugar, essas pessoas deveriam trabalhar muito tempo de assistente, pra aprender as coisas, ter idéias próprias e melhorar. Eu acho que primeiro tem que saber todas as técnicas pra depois ser um montador.

Eu, por exemplo, punha em prática tudo que tinha dentro de mim, o ritmo do filme...(...) aqui eu posso tirar vinte quadros, aqui eu posso aumentar um pouquinho (...). Ou o cara vai ser um montador normal, ou um montador que vai contribuir muito com o filme, ou vai estraçalhar, e isso tem de estar de acordo com o diretor também (...).

Eu não acho importante ler o roteiro, mas quero ser um mico se eu pegar um filme de qualquer diretor que filmou o roteiro inteiro. O diretor tem um roteiro, filma outro filme. Então, você tem que saber mais ou menos o que o diretor quer e dentro daquilo fazer um filme (...).

Mojica

(...) tem que ter respeito pelos caras, entende? Eu por exemplo, conheci o Mojica quando ele fez o primeiro filme; ele catava pedaço de magnético que eu jogava no chão, mandava o assistente emendar e fazia o filme com pedaços do magnético de 20, 30 cm, porque ele não tinha grana... é um cara que tem que ser respeitado (...). Ele filmava com filme velho, com ponta de filme, qualquer coisa que davam pra ele, não queria nem saber, queria filmar.....! Hoje os caras dizem: "porra, o filme do Mojica e tal", mas naquela época todo mundo queria passar por cima do Mojica.

Vídeo de casamento

Tem coisas por exemplo, eu adoro ver vídeo de casamento, de aniversário; porque os caras fazem tanta besteiras e algumas besteiras geniais. Eles fazem essas besteiras inconscientemente, mas se você for esperto, você diz: "olha que coisa interessante que esse cara fez aí".

Rogério Sganzerla e O bandido da luz vermelha

O Rogério chegou com o filme dele numa mala de viagem e disse: "olha, o meu filme tá aqui; você quer montar?". (...) O filme já tinha passado na mão de um montador que disse "esse filme não monta". (...) comecei a assistir o copião e falei: "olha, Rogério, vamos montar do jeito que você filmou, aí começamos (...) O bandido foi filmado tão espontaneamente que ele não tinha organização. Então era meio assim: agora faz isso, agora faz aquilo, e ele tinha que ser montado. Então era: agora cola isso, agora cola aquilo. Cortar de ele pra ele, o filme estava filmado pedindo uma montagem daquelas. Mas aí chega um cara e me diz: "faz uma montagem igual à do Bandido da luz vermelha" e eu digo "Ora, vá catar macaco". Se o cara não filmou o filme pra ter uma montagem daquelas, não dá pra ter.

Cinema Marginal

É um cinema com histórias completamente inusitadas, feito com um mínimo de grana, de tudo, todo mundo cooperando. É a loucura do cara fazer cinema. Começar a filmar sem ter filme, sem ter nada, e conseguir com esse cinema abalar a estrutura do cinema comportado e do alto custo. (...) Hoje em dia, eu acho que as pessoas ainda deviam fazer filme marginal, entupir o mercado de filme marginal. E vai fazer o mesmo dinheiro que fez o cara do filme de 3 milhões de dólares. (...) filmes de 3 milhões de dólares são chatos pra burro – um filme bonitinho, com grua, não sei o quê, mas não conta nada!